quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Quem escolheu o meu futuro foi mamãe


Na pressão de qual faculdade cursar, pais acabam não ouvindo a opinião dos filhos, traumatizando-os

(Publicado em www.jornalmateriaprima.com.br
Editoria: Crônica)

“ Com a proximidade do final do ano, as maiores universidades do País dão início à maratona de vestibulares. Passado o tormento da escolha da profissão, outra dúvida costuma tirar o sono dos vestibulandos nos dias que antecedem o período de inscrições: qual faculdade cursar?”
(inspiração: www.metodista.br- Publicado em 19 de setembro de 2008)

Por: Meiryellen Formigoni

Mamãe não para de gritar. É absurdo. Eu preciso dormir mas ela nunca vai entender. Vai falar que é preguiça, frescura, menos cansaço.
- Calma aí, manhêêê! Eu já vou...

Mais uma vez, me rendo a rotina de estudos. Época de vestibular é um saco, não tenho vida social, não falo com meus amigos... Festa então? Só posterior às provas. Isto é, se eu passar.

Às vezes acho que meus pais nunca tiveram a minha idade. Aos 18, eu só queria sair com a galera nos finais de semana, tomar uma cervejinha e conversar com a mulherada. Mas, ao contrário disso, o único porre que ando tomando, é o de livros de biologia. Detalhe: isso porque eu nem sei se eu quero realmente ser médico.

- Meu filho, por que você não está lendo? Ainda faltam três horas para você terminar o seu horário de estudos.
- Ahh mãe, eu só quis descansar um pouquinho.
- Quer dizer que quando você estiver formado e tiver que fazer uma cirurgia de oito horas, você vai parar para descansar?
- Mãe, eu só queria...
- Quieto! Pegue suas coisas e vá para escrivaninha estudar.


Putz! Ela nunca vai entender. Eu acho que essa coisa de química, biologia não é comigo. Eu queria mesmo é fazer arte, ser artista de teatro, cinema, novela... mas eles nunca iriam me aceitar desse jeito. Lá vou eu, novamente, estudar átomos e células.

- Mãaae!!!
- Que é menino? Já terminou de estudar?
- É que eu queria te dizer uma coisa: eu não sei se vou gostar de ser médico, ver sangue...
- Shiiiiiiu! Pense no que é melhor para o seu futuro, ninguém fica rico do nada, você tem que se preparar. E essa coisa de gostar ou não, não existe. Com o tempo você se acostuma.

Mais uma tentativa inútil. Isso porque nem falei pra mamãe sobre o show de hoje à noite. As vésperas do vestibular, ela não vai nem pensar pra dizer não. O jeito vai ser mentir.

- Alô, João? Cara, minha mãe ficou surtada por causa do vestibular e não me deixa fazer nada além de estudar. Preciso de uma forcinha sua para ir ao show hoje à noite.
- Claro brother! Eu compro seu convite e na hora que ela pegar no sono, você sai de fininho pela janela do seu quarto. Ela nem vai ver. Eu faço isso direto!
- Ah João, será?
- Confia em, cara, tudo vai dar certo.
- Ai meu Deus, vou mentir pra mamãe. São quase 22h, ela já foi dormir e acha que eu também. É hora de agir.
- Tum!Tum!
- Ufa, ainda bem que cheguei ao chão sem me sujar.
- Vamos lá!
- Ufa de novo, ainda bem que o João já estava a postos pra me “salvar”.


O show não foi lá aquelas coisas, mas pelo menos eu sai da escrivaninha para fazer algo normal. Vi muita gente, matei a saudade dos amigos... enfim, já eram 5h30 e eu já estava entrando em casa. De fininho, fui correndo para o meu quarto, sem ninguém acordar.

- Gram, gram!
- Mamãe??? O que você está fazendo aqui a esta hora?
- Eu é que te pergunto: O que você faz fora da cama, sem minha autoriazação, às 5h30 em véspera de vestibular?
- Ah mãee, eu só queria me diver...
- Cala a boca! Vai dormir. Não quero ouvir mais nem um “piu”. Amanhã você vai acordar às 8h e passar o dia todo estudando, pausando apenas para comer, estamos entendidos?
- Mas mãe, já são quase 5h e eu preciso descansar!
- Pensasse nisso antes. Amanhã te acordo às 8h.


Ai que ódio, que raiva, que sacanagem! Ela nuncaaaaa, nunquinhaaaaaa vai me entender. Que saco! Depois de dormir apenas duas horas e passar o resto da semana estudando feito louco, com a minha mãe me vigiando, é claro, chega o dia da bendita prova.

- Bom dia, seja bem vindo à universidade da rede Siferro. Qual é o número da sua inscrição?
- Inscrição? Ah sim, mamãe passa pra mim o número...
- Então, o número ... é... Mas precisa mesmo moça?
- Claro minha senhora, como quer que seu filho seja matriculado caso passe no vestibular? Preciso do número de inscrição...
- Mamãe, vai me dizer que a senhora se esqueceu de fazer a inscrição?
- Vamos embora agora, essa faculdade tem frescuras demais para o meu gosto. Vamos lá fazer sua inscrição no curso de artes cênicas, meu filho em vez de médico vai ser artista. Pelo menos não precisa de toda essa burocracia.